sábado, 4 de junho de 2011

A arte de fechar a porta


Há quase dois anos, abro e fecho a mesma porta incontáveis vezes ao dia. Toda vez que eu chego aqui, lembro de que não posso abri-la com muita força, porque, do outro lado, existe uma sala muito pequena e uma estante que, repleta de bugigangas decorativas, pode vir a ter sua arte destruída com um solavanco agressivo de Helena.

Logo que eu vim morar aqui, era sempre o mesmo drama diário: chegava, com pressa, e abria a porta com a mesma voracidade que queria jogar minhas coisas num canto e descansar. Todo dia era a mesma chateação: o ato de entrar em casa era seguido de arrumar os "bibelôs" da estante e, depois, partir pra vida dentro de meus pouco metros quadrados privados.

Demorei muito tempo pra assimilar a informação de que, toda vez que chegasse em casa, teria que abrir a porta com jeitinho, pra não derrubar todos apetrechos decorativos que me esperavam do outro lado. Foram meses e meses brigando com o "outro lado". Pensei, muitas vezes, em me livrar dos enfeites, chutar tudo,ou, quiçá, mudar a estante de lugar.

Com o tempo, a raiva e a ansiedade passaram. Chegou o dia em que, sem notar, eu aprendi a abrir a porta sem danificar a organização do cômodo atrás da porta. Não houve cobrança, muito menos contagem cronológica: simplesmente aconteceu.

Agora, toda vez que eu chego, repito o procedimento. Calmamente. Sem pressa. Olho pra frente: tudo intacto. Posso seguir meu caminho. Menos com o que se preocupar.

Dias desses parei pra pensar na cautela que eu adquiri com a "velhice" e fiquei feliz. Nunca pensei que eu, antes desbravadora e chutadora de portas, chegaria ao ponto de agir e pensar, concomitante e instintivamente.

Portas ensinam mais sobre a gente do que poderíamos imaginar. Quem diria.