segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A difícil, inútil e perigosa arte de esquecer


De acordo com uma dessas frases prontas, de autoria até hoje duvidosa, a felicidade seria, basicamente, gozar de uma boa saúde e ser portador de uma péssima memória. Por um bom tempo, eu concordei parcialmente com a parte de vincular a péssima memória à felicidade. Nos dias de hoje, quase uma balzaquiana, eu digo de peito aberto e sem medo algum que discordo totalmente dessa colocação. Acredito que para sermos realmente felizes – seja lá o que significar isso também – precisamos lembrar. Lembrar de tudo o que vivemos, do que um dia já fomos e do que nos fez sofrer, sorrir, evoluir ou andar pra trás. E quando digo “lembrar” não confundam, por favor, com “remoer” ou “ruminar”. Lembrar, para mim, é ter consciência de que as coisas aconteceram, de que nada muda o que foi feito ou dito no passado e, ainda, ter coragem para enfrentar as memórias.

“Esquecer”, para mim, é o caminho mais fácil. Seria divino ter uma poção mágica que nos fizesse esquecer-se dos traumas, de situações dolorosas e de momentos de frustrações. Seria divino se não fosse ilusório. Porque ninguém de fato esquece algo tão significativo – seja bom ou ruim. Talvez a gente esqueça de lembrar. Ou talvez não se importe mais com tal fato. Agora, esquecer, não, isso jamais acontecerá. E eu, humildemente, acho que isso sim é felicidade: a doce arte de nunca esquecer quem nos machucou, quem nos ajudou a crescer (nos machucando ou não), quem sempre nos apoiou ou quem nunca esteve de fato lá.

Esquecer é sempre o caminho mais fácil para anestesiar a alma. Mas, me pergunto, é bom viver anestesiado? Estar vivo, ao meu ver, implica sentir. Sejam sensações boas ou ruins, viemos ao mundo repleto de emoções (ou hormônios e reações químicas que as provocam, como preferirem). Negligenciar nossa memória seria o mesmo que parar de evoluir. Como melhorar se fingimos que nos esquecemos de nossos erros, de nossos acertos, de pequenas tragédias pessoais? Por que passar por cima de tudo isso e apelar ao esquecimento para encontrar a tão almejada paz de espírito? Seja qual for o seu karma, eu voto por lembrar, sempre. Esquecer pode nos tornar pessoas fúteis e rasas. Lembrar é o que move o mundo. Porque será através do confrontamento do que de bom e de ruim que nos acontece é que tomaremos posições (firmes) diante os percalços da vida. Quem esquece não se incomoda, aparentemente não sofre, mas, infelizmente, pode também nunca sair do limbo. E viver, para mim, é evoluir. E sem aquele eterno acomodar-desacomodar de pensamentos e idéias, me parece pouco viável esse “andar sempre pra frente” no qual eu acredito – e busco a todo custo.

Lembrar pode ser muito mais doloroso, porém, nos impede de (hopefully) cometermos os mesmos erros, de andarmos pra trás, de termos medo do que pode acontecer. Poder lembrar acalma a alma e o coração. Nos deixa mais cautelosos e, na mesma medida, confiantes e desbravadores. Porque é difícil atingir alguém que possui boa memória. Esquecer talvez seja para os fracos. Lembrar sim, essa é a tarefa mais dura – e nobre – que um coração e uma mente sã podem buscar. Porque lembrar também implica lidar com atos muito mais nobres do que esse: o de perdoar os outros e, mais importante, perdoar a si mesmo. E, certamente, não será esquecendo que resolveremos as pendências e os infortúnios da vida em sociedade. Lembrar para aprender: talvez esse seja o melhor lema para um ano que se inicia. E viva o 2012, o ano em que não esqueceremos de nada. With eyes wide open.