sábado, 4 de junho de 2011

A arte de fechar a porta


Há quase dois anos, abro e fecho a mesma porta incontáveis vezes ao dia. Toda vez que eu chego aqui, lembro de que não posso abri-la com muita força, porque, do outro lado, existe uma sala muito pequena e uma estante que, repleta de bugigangas decorativas, pode vir a ter sua arte destruída com um solavanco agressivo de Helena.

Logo que eu vim morar aqui, era sempre o mesmo drama diário: chegava, com pressa, e abria a porta com a mesma voracidade que queria jogar minhas coisas num canto e descansar. Todo dia era a mesma chateação: o ato de entrar em casa era seguido de arrumar os "bibelôs" da estante e, depois, partir pra vida dentro de meus pouco metros quadrados privados.

Demorei muito tempo pra assimilar a informação de que, toda vez que chegasse em casa, teria que abrir a porta com jeitinho, pra não derrubar todos apetrechos decorativos que me esperavam do outro lado. Foram meses e meses brigando com o "outro lado". Pensei, muitas vezes, em me livrar dos enfeites, chutar tudo,ou, quiçá, mudar a estante de lugar.

Com o tempo, a raiva e a ansiedade passaram. Chegou o dia em que, sem notar, eu aprendi a abrir a porta sem danificar a organização do cômodo atrás da porta. Não houve cobrança, muito menos contagem cronológica: simplesmente aconteceu.

Agora, toda vez que eu chego, repito o procedimento. Calmamente. Sem pressa. Olho pra frente: tudo intacto. Posso seguir meu caminho. Menos com o que se preocupar.

Dias desses parei pra pensar na cautela que eu adquiri com a "velhice" e fiquei feliz. Nunca pensei que eu, antes desbravadora e chutadora de portas, chegaria ao ponto de agir e pensar, concomitante e instintivamente.

Portas ensinam mais sobre a gente do que poderíamos imaginar. Quem diria.

domingo, 29 de maio de 2011

Rasgando o manual da mulher moderna

Tenho um segredo pra revelar sobre nós, mulheres modernas-independentes-solteiras: nós somos uma farsa. E das grandes.

Passamos horas, dias e anos repetindo que "tudo bem" fazer tudo sozinha. Cozinhar, lavar, passar, pagar contas e ainda achar um espaço nesse corre-corre diário pra manicure. Ter o prazer de ler aquele bom livro ou tomar aquela tão merecida cerveja também fazem parte do jogo. Do jogo de ser uma mulher independente e moderna. Temos a habilidade de metamorfosearmos em polvos quando vamos ao supermercado e carregamos 12 sacolas dos mais variados pesos. Trocamos lâmpadas queimadas e algumas, pasmem, até ousam trocar magistralmente a resistência queimada do chuveiro (sem queimar toda a fiação elétrica, I mean). Fazemos bolos e sobremesas maravilhosas (como nossas avós e mães nos treinaram anos a fio). Também sabemos falar de política, literatura, cinema, música e estamos sempre ligadas nos acontecimentos mundiais e conectadas as redes sociais.

O problema disso tudo é que corremos tanto mas não sabemos bem onde queremos chegar. Será que é um emprego melhor? Uma vida mais digna economicamente? Mais sabedoria pra tocar a vida e não cometer aqueles velhos erros mais uma vez? Estudar cada vez mais? Viagens pro exterior? 600 contatos no Facebook? O amor daquele cara, aquele mesmo, que parece perfeito pra gente? No fundo, não sabemos nada.

No fundo (bem lá no fundo) nos comportamos como criancas desprotegidas ainda. E queríamos sim alguém que nos buscasse no final do expediente e perguntasse como foi nosso dia. Alguém pra trocar as lâmpadas. Um pé pra esquentar o nosso na cama quando faz muito frio lá fora. Dois braços a mais pra ajudar com as compras. Aquela ajuda pra lavar os pratos que ficam jogados esperando ansiosamente pela liberdade. Não é fácil, nós, mulheres modernas, sabemos. Porque aparentamos algo que, no fundo, sabemos que não somos. Nao me leve a mal, não somos mentirosas ou falsas: apenas nos adaptamos ao molde. Somos independentes, fortes, maduras e sabemos o que queremos SIM. Tivemos pais que nos criaram pro mundo e não temos medo da vida. Enfrentamos. Mas também temos um coração, por mais que ele fique de lado nessa correria toda. E toda vez que ele é reativado, essas perspectivas vêm à tona.

Por trás dessa fortaleza toda, sempre tem algo de frágil. Que não pode ser mostrado. Que não deve ser revelado. E daí, me pergunto, se, como disse John Donne, "Nenhum homem é uma ilha" porque nós, mulheres modernas teríamos que ser??? Nao é errado precisar de alguém. Contar com alguém. Dividir. Por mais que a gente saiba, quando deita a cabeça no travesseiro, que a vida pode ser muito cruel. Até mesmo com os bem-intencionados. Agora durma-se com um barulho desses (mas só lá no fundo).




sábado, 12 de fevereiro de 2011

O maldito foco

Tem coisas que só no século XVIII seriam diferentes. Eu sou partidária de que, nesse tão longínquo tempo, as pessoas eram, de fato, mais felizes. Provavelmente porque eram mais ingênuas, tinham pouco acesso à informação, tinham mais medo. A vida no século XXI é deveras complicada. Não bastasse o turbilhão de tecnologia e redes sociais interligando o mundo, as pessoas (ditas "seres humanos") não estão aptas a absorver tanto em tão pouco tempo, o que resulta em comoção e loucura geral.

Eu sempre me considerei uma pessoa normal. Well, por "normal", aqui, entenda-se como alguém bem-resolvida e sem maiores dilemas e dramas pessoais. Normal. Nem muito aqui, nem muito lá. Whatever. O problema é que pessoas normais, como eu, parecem pertencer ao antes mencionado século XVIII e não a essa geração que mais parece advinda de freak show do que de carne e osso mesmo.

O mundo me assusta, as pessoas continuam me surpreendendo. E continuamos cometendo os mesmos erros. A intuição pode até falar mais alto, mas duvidamos. Queremos provar que não, dessa vez será diferente. Porque somos pessoas maduras, legais, boas e sabemos o que queremos. E saber o que quer é, agora eu sei, coisa do passado.

Não me agrada muito a ideia de saber que vivemos várias vidas, temos várias facetas e desempenhamos muitos papeis. Gostava mais do tempo em que ser um já bastava. Agora, nada é suficiente. Escrúpulos foram substituidos por personalidades infantis e mascaradas. Bondade virou piada. Gentileza,então, nem se fala. E é nesses momentos em que eu me assusto e tenho vontade de pegar minha "DeLorean" e go back to the past.

Como não sou Marty McFly, vivo como posso. Tento manter o maldito foco nessa vida que mais seduz pro lado negro da força do que para o bem. Tento ser forte, não pender pro outro lado. Mantenho meus princípios e condeno, sem piedade, quem não tem discernimento ou bom senso. Sigo pensando que dissimular, maltratar e manipular é errado. E nesse mar de imoralidade e sacanagem, eu me protejo com bóias para não afundar... E é lá no meio de tantas ondas e obstáculos que eu encontro, meio que sem querer, os poucos viventes que ainda pensam como eu. E nadamos, lado a lado, sempre contra a maré. Até onde der.