domingo, 17 de janeiro de 2010

A vida dos outros


Jorge sempre quis ser "cool". Achou que tinha nascido pra isso. Vocacao mesmo. Desde pequeninho, quando lhe perguntavam, "Jorge, o que voce quer ser quando crescer?", ele respondia, em alto e bom tom: "Cool!". As tias, tias-avos, primas suspiravam e soltavam um "oooh" conjunto. Seu pai, sempre turrao e pouco paciente, rosnava: "Vai eh ser viado, isso sim. Ser "cool" eh coisa de viado". A mae jah largava um "Cala a boca, Joao, tu nao sabe o que tu tah falando" e incentivava o pequeno Jorge em sua travessia em ser "cool". Mesmo sem saber direito do que se tratava esse "cool". "Serah que eh alguma coisa da televisao?", ela pensava.

Que diabos eh ser cool, afinal? - muita gente desentendida perguntava. (a titulo de curiosidade e pra ingles ver: Slang unruffled elegance or sophistication). Os habitantes da pequena cidade ficavam estarrecidos com tanta petulancia e desejo de mudanca do menino. Por que nao aceita que nasceu pra ser pobre e morar no mato, hein? Jorge era motivo de cochicho e olhadas por onde quer que passasse. Com seu cabelo comprido e suas calcas boca de sino.

Jorge queria ser "cool". Ponto. Cresceu, tomou consciencia de si mesmo e nao mudou de ideia. Aos 16, colocou uma mochila nas costas e foi pro "estrangeiro". Largou a escola, a namorada perfeita (que nao era nada cool, diga-se de passagem), a mae aos prantos com um pano de prato na mao e o pai, gritando, "tu vai te arrepender, meu filho. Devia virar jogador de futebol."

Jorge carregava, alem da mochila, um violao. Porque, pra ser "cool", ele teria que virar um astro de rock. Foi pra Londres. Porque nao tem lugar mais refinado no planeta do que esse. Na mochila, muitos vinis de Iggy Pop, Velvet Underground e todos deuses do rock 60-70. Vinil porque Cd eh coisa de maneh. Pra ser ser "cool" tem que escutar Lp mesmo. Algumas calcas jeans surradas, uns All Stars coloridos e muitos sonhos. Alem de seu diario. "Eh agora que a vida comeca", pensou Jorge.

Jorge jah se considerava abencoado desde o nascimento. Nao era ah toa que se chamava Jorge. Tinha "quase" o nome do famoso Beatle. O mais "cool" de todos. Sabia, no fundo, que seu pai nem suspeitava quem eram Lennon e McCartney (imagine George Harrison entao!) e dificilmente saberia indicar onde Liverpool ficaria no mapa. Irrelevante, seu destino jah havia sido tracado. Livrou-se do mato e da ignorancia. Era livre.

Chegou em Londres, conheceu o mundo. Realizou o maior sonho da vida: tornou-se COOL. Cabelo vermelho, jeans rasgado, guitarra na mao. Encantou as menininhas. Tomou acido. Viciou-se em heroina. Do outro lado do oceano, seu pai continuava ouvindo sertanejo; Sua mae, o Roberto (mas da fase "terno branco" porque o que cantava "Calhambeque" era discipulo do capeta). Deixou as raizes de lado, esqueceu familia, amigos e passado. Deixou tudo pra tras. Virou rock star. Era um Deus.

10 anos depois, cansou de tudo. Viu que dava muito trabalho ser "cool". Cansou do lero-lero das menininhas que o endeusavam. Cansou do barulho da vida noturna. Encheu o saco das drogas. Juntou os trapos que restaram e comprou uma passagem de volta. Voltou. Em casa, nada de novo: a mae cozinhando; o pai assistindo ao Faustao. Deu um abraco apertado nos dois. Ateh derramou algumas lagrimas. Ao entrar no velho quarto, viu que esse sim estava diferente: tinha virado um altar. Sua mae havia recortado noticias de todos jornais e revistas que ele havia aparecido. Entrevistas, posteres. Ateh o unico Cd que sua banda gravara estava lah, ao lado do aparelho de som. "Tu nao vai te arrepender, Jorge?", a mae perguntou. Ele nao respondeu. Aquele quarto era a resposta que sempre havia procurado.

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