Março de 2000. Primeiro semestre da faculdade de Letras. 17 anos e muitos sonhos e desejos passando pelo corpo. Quinta-feira pela manhã, cadeira de Produção Textual I. "Vou me dar muito bem nessa matéria" - eu pensei. Sempre amei ler e escrever. Isso já era parte de mim, nada poderia dar errado. A professora, uma das mais maravilhosas e legais que tive ao longo do curso, foi, no entanto, a responsável por uma das primeiras frustrações que tive de passar na vida. Depois de produzido nosso primeiro texto, veio a agonia e a ansiedade na espera pela entrega da professora com seus comentários, críticas e elogios. Eu, ingenuamente pensando, acreditei que tinha escrito o "melhor texto de minha vida". "Vou tirar um 10 e bem redondo!" (como se nota fosse algo importante de verdade!). No dia da fatídica entrega, tudo mais ou menos como esperado: quase nenhum erro gramatical, boa seleção de vocabulário, mas, hmm, um comentário ao fim do texto: "MUITO BONITO, HELENA. MAS QUAL O FIM ILOCUTÓRIO????" "Fim ilocutório?", eu pensei. "Como assim, qual o fim ilocutório?!?" Ao meu ver, meu texto fazia muito sentido e não precisava de nenhuma mudança. Fim ilocutório, usando terminologia técnica agora, é, mais ou menos, o motivo pelo qual a gente está escrevendo, o propósito de termos escrito aquilo e não aquele outro. "Fim ilocutório!" Para mim, minhas razões para produzir tal texto eram óbvias. Surpreendi-me com o fato de que uma professora tão boa como aquela não conseguia perceber a intenção do meu humilde texto. Enfim, após a "reescrita", eu tive de deixar meu "fim ilocutório" bem claro e acabei tirando um "9,5" e nenhum sonho de boa aluna foi desfeito então. Passados quase 10 anos desse fato, eu fico pensando se tudo na vida tem que ter um "fim ilocutório". E se esse tal de fim ilocutório da vida fica claro pras outras pessoas tanto quanto fica claro pra gente. Regras literárias à parte, eu não acho que tudo na vida tenha que ter um propósito maior, uma grande motivação ou um bem-comum: as coisas às vezes simplesmente acontecem. E mesmo que nosso "fim ilocutório" esteja bem claro pra nós (todos temos nossos motivos pra agirmos de tal jeito ou de outro), para os outros, que não vivem no nosso cérebro e nosso coração, nossas atitudes podem parecer meio sem nexo e inadequadas. Para a minha professora, bastou eu acrescentar uma frasezinha no texto e o propósito ficou bem claro. 9,5. Na vida, infelizmente, não é assim que funciona. Nem sempre nos é dada a chance de mostrar nossas reais intenções e sentimentos. Uma frase a mais ou a menos poderia fazer toda a diferença nesses casos. E nem sempre uma frase pode resolver as situações mal resolvidas e nem sempre tudo o que, pra gente, está muito claro, pros outros está. Como evitar tais contratempos? Escolha o público alvo certo. A nossa vida será lida e interpretada por muita gente, mas, existirão alguns poucos que entenderão tudo numa simples troca de olhar ou até mesmo num momento de silêncio. O leitor. É esse que vai decidir se o fim ilocutório está bem claro ou não. E se ele for o leitor certo, ele nem vai se importar com o tal de fim, como era o nome mesmo?
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